terça-feira, 3 de maio de 2011

Cá estamos nós - as longas tranças do careca

Os culpados
Cá estamos nós mais uma vez a braços com a 'crise'. A ver bem, acho que nunca ela nos deixou em paz. Não começámos bem como é sabido: um puto imberbe, com pouco mais de 16 anos, a bater na mãe. O nível não podia ser melhor. Enfim, 8 séculos depois de muitos altos e baixos, invejamos a maior parte dos nossos vizinhos europeus e vemos os que ainda há pouco entraram na União Europeia, passarem por nós a uma velocidade confortável.

Os culpados, invariavelmente, teimam em aparecer, e desconfio que a procura dos mesmos não tenha sido feita no mais óbvio dos lugares: nós. Desde a reimplantação da 'democracia' que nos temos demitido progressivamente das nossas responsabilidades cívicas. As razões para isto, legítimas ou não, variam, mas o resultado, esse, é invariante: uma das maiores assimetrias sociais dentro da OCDE, uma classe política indecentemente submissa aos interesses instalados, um sistema de justiça que em nada honra este nome, um futuro praticamente hipotecado para os nossos filhos netos, e por aí fora. Na sua original e mais justa acepção, a democracia nunca passou por nós. Fomos enganados e fomo-nos enganando porque era confortável e, acima de tudo, fácil.

Não deixa de ser irónico ouvir, todos os dias, os mesmos responsáveis pelo estado a que chegámos, apresentarem-nos agora soluções milagrosas que mais não são do que o mesmo a que nos habituaram nos últimos 37 anos. Palhaços! 'Palhaços' é a palavra mais ouvida cá em casa desde que 3 marmanjos de idades tenras começaram a ter a capacidade de entender impropérios. Os palhaços que me perdoem. São infinitamente mais decentes e honestos que esta corja que agora sacode a água do capote como se apenas ontem se tivesse começado a construir o que nos legam. Por vezes ainda têm a lata de dizer que os portugueses têm memória curta referindo-se apenas aos 2, 4 ou 8 últimos anos. Dá vontade de rir mas não deixa de ser trágico. Ocuparam todos os lugares de relevo e decidiram em causa própria. Infantilmente fácil! Pois bem, são também culpados, mas não mais do que nós. E os outros também: os que, opondo-se a estes, não souberam adaptar-se e libertar-se dos fantasmas de um passado igualmente pouco digno em demasiados aspectos.

E agora?
Mas chega de lamúrias e acusações e vamos ao que interessa. Cabe-nos a todos, e não só ao bando de 'iluminados' que nos trouxe aqui e que provavelmente vai continuar a guiar-nos, decidir o que queremos ser enquanto sociedade num futuro que não se quer longínquo. Somos actualmente mais formados e informados. Temos e exigimos mais informação a cada dia que passa. Temos capacidade de discernimento. Somos mais novos e ainda não somos iguais a eles: cinzentos, instalados, sem uma única ideia que não seja um recauchutamento. Na pior das hipóteses, somos tão bons quanto eles!

Muito há a dizer e propor para tentar melhorar as coisas. Há coisas que são praticamente unânimes. Uma delas é que o Estado aplica mal o nosso dinheiro. Concordo. Muito pode ser feito para optimizar os recursos e cortar nas gorduras e mordomias. Existem já várias iniciativas que põem a nú a indecência e clientelismo instalados (um bom ponto para começar a pesquisar e agir sobre isto é aqui: despesapublica.com). Porém, não é isto que quero fazer aqui.

Muito pode ser também dito e escrito sobre o sistema de financiamento a nível global, as agências de rating, o FMI e quejandos. Concordo também que é um sistema absurdamente imoral e que nos atinge a (quase) todos de forma avassaladora. Considero também que, para um pequeno país na periferia da Europa, não está ao nosso alcance, se formos a isso sozinhos, mudar o que quer que seja. Não é uma postura derrotista e espero que se forme rapidamente uma consciência europeia que possa contrariar aquilo que se torna óbvio a cada dia que passa: a Europa está desorientada ou até mesmo perdida, moribunda. São vistas muito curtas, as dos actuais líderes. Mas também não é isto que aqui quero explorar.

Chegamos então ao que penso que pode constituir uma ténue esperança: nós, os assets que realmente têm valor e que podem fazer a diferença.
  • Que Estado gostaríamos de ter num futuro próximo?
  • Como podem, ou se podem, ser compatibilizadas as diferentes visões políticas que temos?
  • Que podemos mudar individualmente para sermos mais justos para com todos?
  • O que podemos fazer para não deixar uma factura demasiado pesada aos que aí vêm?
  • Que aspectos do actual Estado são positivos e quais temos de forçosamente mudar?
  • Como tornar mais democráticas as decisões que a todos dizem respeito?
  • Existem modelos que tenham tido sucesso em algum lado e que nos podem orientar?
  • Como pode o Estado tratar todos de forma mais justa?
  • O que torna um trabalhador mais produtivo?
  • Que incentivos devem ser dados para sermos mais responsáveis social e civicamente?
  • Porque somos, aparentemente, tão maus gestores da coisa pública e o que podemos fazer para contrariar isso?
  • Porque grassa a corrupção e o que podemos fazer para minimizar o seu impacto?
  • Porque nos devemos preocupar muito com a educação que damos aos cidadão mais novos?
Estas são algumas das perguntas que tentarei responder com propostas concretas, para variar. O meu comprometimento partidário é nulo, diria até mesmo negativo. Ao contrário de outros seres perfeitos e imaculados, tenho também muitas dúvidas e engano-me muitas vezes, o que até me parece uma coisa natural, ao contrário do que nos tentam vender todos os dias na sedada comunicação social. Basicamente, não me comprometo a 100% com as propostas que apresento, e estas podem sofrer alterações ou mesmo ser abandonadas, se chegar à conclusão que assim o merecem. Conto com todas as críticas para me fazerem mudar de ideias ou de repensar o que apresento, o que corresponde a outro sacrilégio na 'vida partidária'. Por lá, parece que quanto mais casmurros melhor.

Como?
Como vou fazê-lo? Apresentarei um post com várias ideias/medidas. Cerca de uma dezena delas de cada vez. Discutirei alguns pormenores de cada uma delas separadamente, nos posts consecutivos, assim como tentarei defendê-las de forma racional ou promover alterações que as reforcem.

É também óbvio que estas ideias não me surgiram como uma epifania. Algumas serão da minha autoria, outras serão adaptadas, enquanto outras foram vergonhosamente roubadas por aí. Se me parecem boas, não vejo porque não o faça. Temo também que não vá agradar nem a gregos nem a troianos (leia-se: nem direita, nem esquerda), mas isso já não me parecerá um problema meu. As ideologias, enquanto sistemas que almejam a perfeição e se levadas demasiado a sério, tendem a ver a preto e branco, positivos e negativos, carecas e cabeludos, quase sempre longe da realidade, como a História tão bem tem demonstrado. Esta, a realidade, é sempre mais rica e, por paradoxal que possa parecer, não é difícil encontrar nela um careca com umas longas tranças. Um careca mais feliz, esperemos.

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