sexta-feira, 6 de maio de 2011

2. Instituir o acesso gratuíto à escolaridade miníma obrigatória

Na seguimento das primeiras 10 medidas propostas neste post, defendo aqui a número 2.  Todos os dias tentarei desenvolver uma delas.

A educação é cara. A ignorância é um luxo. Principalmente num país pobre.

Uma sociedade (in)formada e uma democracia viva, dependem de uma educação séria e minimamente uniformizada. Para isso, devia estar garantida uma rede pública de escolas de acesso similar a todos.

Se há altura em que algo pode fazer uma diferença grande na qualidade de vida futura de alguém, essa altura corresponde, obviamente, aos primeiros anos de vida. A qualidade da educação recebida nesse período é o factor mais determinante. É defensável, portanto, um investimento redobrado, principalmente nos primeiros 6 anos de escolaridade. Identificar e promover a resolução de casos problemáticos de aprendizagem nesta fase é salvar o futuro, não só da criança em questão, mas de todos nós. E é também poupar no longo prazo: menos crime, mais satisfação, mais integração social.

Mas a escola não é tudo. Há que envolver todos os encarregados de educação e responsabilizá-los pela performance dos seus educandos, estabelecer metas, acompanhar e acessorar em caso de dificuldades. Faltar sistematicamente a reuniões escolares teria de ter consequências para os encarregados de educação (mais no post sobre a Pensão de Cidadania daqui a uns dias). Não é à toa que depois de o meme da educação se instalar numa família, dificilmente as gerações seguintes o deixam fugir. A educação traz vantagens nada negligenciáveis.

Mas como se pode operacionalizar isto? Algumas ideias:
  • Identificar o mais precocemente possível as dificuldades. Quanto mais tarde, mais difícil;
  • Envolver os encarregados de educação na resolução do problema;
  • Envolver tutores, especialistas na matéria em questão, que acompanham a família e o professor, e os orientam de forma regular, se for preciso acompanhando em casa, e até as dificuldades serem ultrapassadas;
  • Envolver os colegas na ajuda. Também podem aprender com isso.
É caro? É, mas deixar passar é ainda mais oneroso.

Os encarregados de educação podem também não colaborar. Nesse caso há que por em causa as suas competências em matéria de educação. Promover a educação não é apenas um dever. É uma obrigação. Sem preconceitos e de forma implacável.

Todos os materiais seriam gratuitos. Os manuais de base deveriam ser da responsabilidade dos professores, como acontece já em algumas instituições de Ensino Superior, que fariam uso de wikis para actualizar os conteúdos nos servidores do Ministério da Educação (crowd sourcing). Até pais mais informados poderiam fazê-lo também. Os conteúdos estariam actualizados e seriam sujeitos a críticas entre os pares, minimizando os erros. Feito desta forma, seria também um ensino mais uniforme, nivelando por cima e não permitindo facilitismos bacocos. A participação neste esforço de actualização até podia ser uma medida de avaliação para os professores. Todos os anos em Agosto/Setembro as versões correntes dos manuais nas wikis eram fechadas pelo responsável de cada disciplina no Ministério e enviadas para impressão. Essa impressão seria low budget, num papel muito mais barato do que os manuais actualmente vendidos, e seriam abertos concursos públicos para este trabalho de impressão, em várias áreas do país, reduzindo o custo de transporte dos mesmos. No fim do ano o aluno podia ficar com o manual. Cópias extra seriam pagas pelos alunos na totalidade. Seriam livres de direitos e qualquer um poderia fotocopiá-los.

Uma prática lamentável diz respeito à formação das turmas nas escolas, que muitas vezes agrupam os alunos em função dos resultados anteriormente obtidos e do estrato social/profissional dos encarregados de educação, aumentando ainda mais a dificuldade para os menos integrados. É lamentável e deveria de acabar o quanto antes. É também prejudicial para os mais bem preparados pois priva-os do contacto com outras realidades, contacto essencial para um crescimento social saudável.

A exigência é outro problema. Analisem-se os modelos de educação em países como a Coreia, Israel e China, já para não falar dos países nórdicos, tão queridos e citados pelos nossos governantes. A nossa educação básica está demasiado centrada nos objectivos e avaliação em detrimento da aprendizagem. Preza-se demasiado o saber fazer desleixando e relegando o entender. É o famoso modelo da receita: multiplica-se aqui, põe-se além, soma-se acolá e, voilá, magia, temos o resultado! Mas e o porquê? Porque funciona? Não basta saber fórmulas e algoritmos. Há que saber porque e como funcionam. Com este modelo não me surpreende a quantidade de analfabetos funcionais que formámos e continuamos a formar. E os professores não ajudam. Uma boa parte deles não sabe explicar desta forma. Foram formatados para os resultados e avaliações. É urgente ajudá-los a inverter este estado. Uma reforma séria teria sempre de começar por estes professores e neste patamar da educação. A seguir será sempre tarde demais. Os recursos materiais são importantes, sejam Magalhães ou laboratórios, mas o que sempre fará a diferença são os recursos humanos. São esses que passam o conhecimento.

Um tronco central de disciplinas comuns ao longo de toda a escolaridade obrigatória é outra exigência:
  • Português;
  • Inglês;
  • Matemática;
  • Educação Física;
  • Filosofia;
Sim, Filosofia. Não precisam de lhe chamar isso, precisam é de tratar os temas que deviam fazer parte do currículo: lógica, argumentação, cidadania, democracia, ética, estética, como funciona e como se faz ciência, história das religiões (apenas factos e o maior número delas possível) e das ideologias, etc. Os argumentos da dificuldade e maturidade não colhem: se tratarem os miúdos como estúpidos, arriscam-se a que se tornem realmente estúpidos. E português e matemática sem variantes, sem A e sem B. Matemática e português, simplesmente.

O limite para aprovação devia aumentar também. 50% é pouco exigente e demasiado no limite. 55% devia ser o limite mínimo de aprovação.

Optar livremente por um serviço privado de educação devia ser uma opção dos encarregados de educação e à qual o Estado é indiferente a todos os níveis, nomeadamente o financeiro, que seria da responsabilidade dos mesmos encarregados de educação, desde que o acesso à rede pública estivesse garantido em condições de igualdade perante os demais.

Paralelamente acabariam as deduções em despesas com a educação obrigatória em sede de IRS.

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