terça-feira, 7 de junho de 2011

Multas e citrinos


No outro dia envolvi-me numa discussão sobre multas com vários amigos meus. Para salvaguardar o bom nome dos intervenientes vou tratá-los de forma anónima.

O Limão e a minha grande amiga Lima insurgiram-se contra a minha proposta de indexar algumas multas aos rendimentos dos prevaricadores. Outros citrinos presentes, talvez face ao número de garrafas de tinto vazias acumuladas nas imediações, tomaram posições menos extremadas. O principal argumento da dupla Lima-Limão é que se queremos tratar todos de forma igual, não podemos multar uns a 30€ e outros a 300€. Este é também o meu argumento, mas talvez porque entendo a igualdade de forma diferente, resulta precisamente ao contrário.

Para começar, entendo que se temos de prender alguém, isso deve ser igual para todos. Obviamente que não defendo que, para o mesmo crime, deva haver penas efectivas diferentes. Sejam ricos ou pobres, ficam privados da liberdade.

No caso das multas de trânsito por manobras perigosas, excesso de velocidade ou excesso de alcool, por exemplo mas não só, acho que deve haver discriminação em função dos rendimentos. O objectivo destas multas é proteger os outros da inconsciência dos prevaricadores. Ao contrário de outras infracções que têm consequências menores, o objectivo último das multas nestes casos é não chegarmos sequer às consequências. Alguém que tenha poder financeiro suficiente pode sempre arriscar confortavelmente, pois isso terá, para o próprio, um custo marginal.

Mesmo havendo outras penalizações que complementam as multas, na realidade, 100€ de multa dói de forma diferente se o prevaricador for a Laranja de parcos rendimentos que apareceu mais tarde no nosso jantar sobejamente regado, ou se for o Maracujá anfitrião, que tem, digamos, uma vida bastante desafogada (e ainda bem!).

Não digo que não haja um patamar mínimo para a multa, mas, a menos que queiram convencer-me que é legítimo comprar-se o que quer que seja, mantenho que a igualdade também passa por haver diferenças no tratamento.

Na Suiça acontece desta forma: aqui e aqui.

5 comentários:

  1. Caríssimo Tângero, é um exercício mental relativamente simples aquele que nos leva a perceber que a 'igualdade' é garantida por alguma 'desigualdade niveladora' - a isto se chama equidade. Essa equidade deve, porém, ser alcançada através de actos contributivos (é aqui que se deve tentar estabelecer alguma igualdade) e não naqueles que são retributivos. Mantenho, caro Tângero, que a punição deve ser proporcional à infração e não ao rendimento, enquanto a contribuição não deve ser encarada como punição, mas como 'cooperação' ou 'obrigação', dependendo do nível de resistência ou de desenvolvimento moral do contribuinte.

    Cumprimentos carinhosos desta tua grande amiga Lima.

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  2. Quando falamos de penas, o que está em causa é a questão da coexistência e a implicação de dano social. A relação com o outro. Não estão em causa considerações morais ou critérios de avaliação provenientes de outras dimensões. No caso do direito penal, o princípio da lesividade reflecte duas características: a exterioridade e a bilateralidade. Ou seja, as acções do infractor implicam dano ou ameaça à coexistência (relação entre pelo menos dois sujeitos). No meu entendimento, isto quer dizer que a pena se aplica ao acto em si. Em privado, não interessa que as condutas individuais sejam imorais, pecaminosas ou outras (condição individual). Também não interessam os antecedentes. Por isso, não devemos enveredar por considerações ou moralismos. Se alguém circula a 200km/h, colocando em risco a vida dos outros, é indiferente o carro que conduza. Também é indiferente se o carro é do próprio ou do primo. E não me cabe julgar se é mais grave alguém que tem pouco dinheiro conduzir um Ferrari a 200km/h ou um indivíduo endinheirado conduzir um Fiesta, desde que também a 200km/h. O problema é a velocidade a que conduzia e o risco que representa para os outros e não o carro que conduz, os rendimentos do último ano, o dinheiro que tem no banco, a cor da pele, o credo religioso ou o sexo. Recapitulando, quando alguém é punido com uma coima, é punido pela infracção e pelo dano ou ameaça para os outros, não pelos seus antecedentes. Um carro em cima de uma passadeira impede uma cadeira de rodas de passar. Este é o dano. A ameaça à coexistência. E é isso que deve ser punido.

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  3. “Harry Lime: Don't be so gloomy. After all it's not that awful. Like the fella says, in Italy for 30 years under the Borgias they had warfare, terror, murder, and bloodshed, but they produced Michelangelo, Leonardo da Vinci, and the Renaissance. In Switzerland they had brotherly love - they had 500 years of democracy and peace, and what did that produce? The cuckoo clock. So long Holly.”
    In “The Third Man”, de Carol Reed

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  4. Amiga Lima,
    A ideia com que fico é que para ti, infracção e rendimento, são mundos completamente distintos, que nunca se tocam ou sobrepõem. Mas a minha defesa é precisamente essa: certas infrações ocorrem porque quem nelas incorre sabe que pode pagar confortavelmente por elas, transformando uma regra de coexistência básica e supostamente defendida pela proibição, em mais um produto que pode ser adquirido como qualquer outro. De alguma forma, compensa para o infractor pagar a multa, ou seja, infracção e rendimento não são independentes.

    Quando estão em causa valores tão básicos como a vida de terceiros, é para mim óbvio que devemos evitar esta situação.

    Repara também que não defendo a contribuição como punição, mas sim que, do ponto de vista prático, as decisões e acções que tomamos, boas ou más, dependem em larga medida dos rendimentos ou património que detemos. E há decisões que não deviam depender disso.

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  5. Viva JL,
    dizes:
    "(...) Não estão em causa considerações morais ou critérios de avaliação provenientes de outras dimensões."

    Começo por discordar logo nisto. Tal como a amiga Lima, separas as coisas como se fossem separáveis. A meu ver, não são. A lei bebe precisamente de uma moralidade. As proibições refletem uma moral.

    Concordo que se alguém viaja de carro a 200 Km/h, violando o limite máximo imposto, tanto dá que seja numa carroça como num Ferrari. Não interessa, pois se houver um azar e alguém morrer, provavelmente, o responsável, vai parar à prisão. Pagam de igual forma (na prática também não é bem assim, pois os advogados determinam demasiado o desfecho destas coisas). O problema é quando se pode encarar uma multa como uma entrada para um jogo que alguns podem pagar. O que eu defendo é que há coisas que, por poderem implicar situações mais definitivas, como a morte de terceiros, devíamos evitar a todo o custo que caíssem nesta categoria.

    Se alguém estaciona em cima de uma passadeira e causa transtorno ou chatices a quem quer usá-la deve ser punido. Mas as consequências desta infracção não são de todo comparáveis às que uma condução sobre o efeito de alcool pode implicar. É no medir do alcance destas consequências prováveis que acho que deve ser posta a bitola.

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